OS CREDORES TRABALHISTAS E A LEGALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO

OS CREDORES TRABALHISTAS E A LEGALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO

30 de julho de 2021 - Por Enrico Fabietti

O judiciário tem o dever de julgar a legalidade de um plano de recuperação, mas, a rigor, não deveria mudar as premissas econômicas que foram aprovadas em assembleia, pois esta é soberana, e decorre do acordo de vontade das partes envolvidas e diretamente interessadas, quais sejam, credores e recuperanda. Na prática esta linha divisória não é muito clara, e quando o é, não é muito respeitada.

               Vejamos um caso prático: Propõe-se o pagamento de credores trabalhistas com 50% de deságio, de acordo com o art. 54 da Lei 11.101/2005, no prazo de um ano contado a partir da data de homologação do plano de recuperação. Esta é a possibilidade que o devedor tem de honrar este compromisso. Porém, para vir ao encontro das necessidades dos credores trabalhistas, a recuperanda propõe outras duas possibilidades de pagamento, às quais estes podem aderir se assim desejarem, ou seja, é uma liberalidade:

               A: pagamento em dois anos, em duas parcelas anuais iguais, com 30% de deságio

               B: pagamento em três anos, em três parcelas anuais iguais, com 5% de deságio

Os credores podem ou não optar por uma dessas alternativas. Caso não o façam receberão seu crédito em um ano, com 50% de deságio.

               A Lei 11.101/2005 modificada pela Lei 14.112/2020, em seu art. 54 § 2º, prevê:

§ 2º O prazo estabelecido no caput deste artigo (um ano) poderá ser estendido em até 2 (dois) anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente.

I - apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz;

II - aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do § 2º do art. 45 desta Lei; e

III - garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.

               Talvez por não ser advogado, mas responsável pela parte econômica de muito planos de recuperação, entendo que, quando é dada a opção aos credores trabalhistas de optar por alternativas de recebimento, ressalte-se que não há qualquer imposição ou obrigatoriedade, mas prerrogativa oferecida ao credor pela recuperanda, no intuito de reduzir o deságio a que se vê obrigado a aplicar, para ajustar os desembolsos ao seu fluxo de caixa do primeiro ano pós homologação. Esta possibilidade permite que esses credores tenham a possibilidade de reduzir a penalização de que falamos, ajustando seu recebimento à capacidade da devedora de gerar recursos para honrar a dívida.

               Com a aprovação do Plano de Recuperação Judicial pela maioria dos credores, não entendo a razão pela qual o Judiciário tem enquadrado essa “liberalidade” como se uma imposição fosse, enquadrando-a no previsto n Lei 14.112/2020, em seu art. 54 § 2º.

           Se o credor aceitou essa condição, repito, não imposta, mas oferecida como opção, não vejo como nem porque o Judiciário vem modificando os planos aprovados em assembleia, que deveria ser soberana nas decisões ali tomada, desde que não fossem ilegais.

               O previsto em Lei, deveria ser aplicado somente quando fosse imposta uma forma de pagamento superior a um ano. Nesse caso entendo perfeitamente a razão de exigir, tanto pagamento integral, sem deságio, como oferecimento de garantias para resguardar o direito desses credores, hipossuficientes, até a aprovação do plano que, democraticamente aprovaram. Essa postura do Judiciário, em lugar de proteger os credores trabalhistas, vem a prejudicá-los, pois os devedores se verão obrigados a oferecer pagamento como previsto no caput do art. 54, com maior deságio, sem dar a opção de escolha aos credores trabalhistas de escolher maior valor com maior prazo, e eventualmente maior risco, ou menor valor com menor prazo.

               Como sempre, o excesso de proteção prejudica, a longo prazo, o indivíduo que se quer proteger.