A CND NA HOMOLOGAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A CND NA HOMOLOGAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

28 de dezembro de 2021 - Por Enrico Fabietti

 Há algum tempo escrevi um artigo sobre a “Curva de Laffer”. Assunto, a meu ver, importantíssimo para viabilizar uma economia e o funcionamento do Governo. Dizia ali, e repito agora, que a elevada carga tributária, sem retorno para a sociedade, está nos tirando os meios de produzir e criar riquezas, que poderiam gerar os empregos que propiciariam o recolhimento dos próprios impostos e, com isso, o crescimento econômico, a redução da fome, a distribuição de renda pelo pleno emprego e a credibilidade internacional de que carecemos. Temos um grande país, mas uma mente estreita. É muito fácil para o Estado, basta  reduzir as despesas com os protegidos desnecessários,  com isso deixa de consumir os recursos que deveriam ser distribuídos para a sociedade. Além desse fato, as despesas correntes são de tamanha monta que fica impossível destinar recursos para investimento. Em resumo: sequestra-se muito e retorna-se pouco ou nada. E quando se retorna, o se faz com ínfima qualidade.

           Por que inicio falando sobre um tema recorrente   e repetido à exaustão? Por um motivo que se fez presente nos últimos meses: A exigência, por algumas cortes, da apresentação de CND no ato da Homologação do Plano de Recuperação aprovado pelos credores.

           É por demais evidente que quando uma sociedade empresária solicita a proteção da Lei de recuperação de empresas, a ela não existe outra alternativa. Todas as que havia foram utilizadas e esgotadas. O fato, em última análise, que impele a empresa a pedir guarida é a falta de caixa. A escassez de recursos para fazer frente a seus compromissos não permitem que se tome decisão diferente. Em verdade não existe mais decisão a ser tomada, quando se chega a esse ponto só há isso a se fazer.

           Parece evidente que, diante às dificuldades de caixa, depois de se esgotar o crédito bancário, de fornecedores, mas antes de atrasar salários, inicia-se o não o recolhimento dos impostos, ou seja, a atividade econômica se financia com os tributos e contribuições não recolhidos. Não é sonegação, nem desvio de recursos, é impossibilidade de honrar os compromissos fiscais. É uma escolha cara (20% de multa geralmente) e temerária, mas de rápido efeito , basta não pagar, e o recurso será destinado para outro fim,

           Quanto maior tempo a empresa arrastar a crise, maior será o débito acumulado de impostos e tributos, chega a valores que podem superar o montante do faturamento anual bruto, ao ponto de superá-lo em muitas vezes, principalmente se considerarmos que a crise que levou a empresa a esta situação, acabou reduzindo o montante de seu faturamento. Em alguns casos, faturamentos superiores ao bilhão de Reais ficam limitados a menos de 10% desse valor, e os débitos se referem, ainda, à época em que a receita era muito mais consistente.

           Por outro lado, temos um Estado que se sente no direito de receber o que lhe é devido, cobrando, pelos meios de que dispõe, o renitente contribuinte. Na visão do Estado a atitude da empresa se equipara à de um aproveitador. Evidente que não o é.

           Isto posto, vamos à modificação da Lei 11.101/2005 pela 14.112/2020. Até o momento em que entraram em vigor as modificações, no início de 2021, estava praticamente pacificado que, estando o fisco excluído da recuperação, não teria qualquer cabimento exigir CNDs, nem na oportunidade do pedido de processamento, nem na homologação do plano aprovado. Esta posição estava correta, apesar da previsão legal em contrário (Art. 57 da Lei 11.101/2005), o Judiciário teve o bom senso em formar jurisprudência, ao não exigir as certidões, e com isso  não inviabilizar na quase totalidade dos casos, o processo de recuperação.

           Senhores, o que mudou? O problema continua o mesmo, o endividamento fiscal não se reduziu, ao contrário, a pandemia recrudesceu o problema. Como a empresa pode enfrentar esse difícil momento com essa exigência? É claro que o fisco conseguiu que fossem incluídos uns poucos parágrafos na Lei 14.112/2020, que fazem referência à liquidação das pendências fiscais, esclarece até que o Estado pode pedir a falência da empresa em caso de inadimplemento de parcelamento, ou de esvaziamento de seu patrimônio. Parece poder mais que suficiente para cobrar seus créditos. Não é necessária a proteção do Judiciário, inviabilizando o retorno à vida de uma fonte de riqueza (e de tributos).

           Contrário senso, uma parte do judiciário tem se posicionado a favor da apresentação da CND na homologação do plano, com isso inviabilizando a continuidade da empresa, de seus empregos e de sua capacidade contributiva. Não há como, na maioria dos casos, aderir a qualquer parcelamento, nem a qualquer acordo de Transação Tributária, hoje disponíveis. Se o fizer, e não há como fazê-lo em função do pagamento inicial, mesmo facilitado, não conseguirá cumprir nem as primeiras parcelas. Há que se entender: a empresa vem de um momento bastante sofrido, precisa reverter seu resultado operacional negativo em positivo, honrar os créditos dos trabalhistas, iniciar o pagamento dos valores devidos e honrar os impostos atrasados. Neste momento todos aceitaram deságio, menos o fisco. Todos o fizeram para viabilizar a empresa, dar uma segunda chance, ressuscitar o parceiro de muitos anos. O Fisco não. Quando abate juros e multas, o faz contra compensações impossíveis de serem atendidas. É chegada a hora de aceitar negociações que propiciem o recebimento de seus créditos. É inútil cobrar alguém que não tem capacidade de pagar se não lhe foram dadas as condições de honrar esse compromisso.

           Propomos que as compensações de prejuízos acumulados, não sejam um favor do fisco, mas sim um direito do contribuinte. Poderiam até compor o sinal do parcelamento. Mesmo nesse caso não há renúncia tributária. O não reconhecimento de compensação imediata dos prejuízos faz com que o Fisco seja um sócio da empresa só nos melhores momentos. Nos períodos de “vacas magras” ele nem sequer cogita em participar das adversidades inerentes à atividade econômica, muitas vezes provocadas pelo próprio Estado.

           Dentro desse panorama perguntamos: por que o judiciário se posiciona da forma que, em alguns casos, se tem posicionado? Penso que os juízes, funcionários públicos sem qualquer experiência empresarial, encaram a empresa fragilizada como responsável pela sua situação. Consideram esse agente econômico como um responsável único pela sua fragilidade, e que deve ser penalizado? O espírito da Lei será este? Essa posição destruirá a capacidade de retomada da maioria das empresas.

           Vejamos por exemplo:

           - Venda de UPIs (Unidades Produtivas Isoladas) no intuito de fornecer caixa para reiniciar o saneamento e permitir a reestruturação do endividamento trabalhista, fiscal e financeiro. Se não for homologado o plano de recuperação não há como viabilizar esse procedimento. Se o procedimento não for permitido, a empresa não tem como se viabilizar nem voltar a pagar seus impostos, correntes e passados.

           É fundamental que como alguns desembargadores do Tribunal de Justiça, à revelia do que decidiu a 3ª Turma do STJ em 22/11/2020, tem exigido a apresentação das certidões. A decisão do Tribunal Superior, que pareceu muito bem embasada, refere-se à dispensa da necessidade de apresentação das certidões, com uma visão inserida na realidade das empresas em recuperação.

           Não bastasse o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em 23/08/2021, pronunciou-se da mesma forma, referindo-se à decisão da Terceira Turma, supra.

           Como se isso não bastasse, a solicitação da PGFN leva a uma situação de difícil, se não impossível, recebimento por parte do Fisco visto que pode levar a empresa a uma situação de falência, onde a dívida tributária recebe na terceira posição. Na enorme maioria dos casos a falência gera um aumento dos débitos com os credores trabalhistas (face às demissões inerentes), com os credores extraconcursais e, após estes, se habilitarão os credores com garantia real. Dificilmente resta qualquer valor a ser excutido pelo fisco. Definitivamente não é uma solução. Isso sim é renúncia fiscal.

           O que se apresenta como uma das alternativas é o contemplado pelo Projeto de Lei 2735/2020 de autoria do Dep. Ricardo Guidi, de Santa Catarina, que propõe um plano de pagamento, sem entrada, com redução de 90% das multas e juros que foram agregados ao saldo devido, permite a compensação dos prejuízos acumulados e parcela o saldo em mensalidades que se equiparem a 1% do valor da receita bruta da empresa, tantas quantas forem necessárias. Evidentemente, em defesa do Fisco, poder-se-á dizer que se a receita for desviada, ou extinta por qualquer razão, o Estado ficará desamparado. Evidentemente não se pode legislar pela exceção. Os devedores que utilizarem esses subterfúgios, esses sim, devem ser exemplarmente punidos.

           Essa seria a forma de maximizar o recebimento da Receita que, ao contrário do que se pleiteia hoje, teria o recebimento de seus créditos maximizados frente à alternativa de, provocando a falência, ficar a “ver navios”.